Certamente em algum momento da vida a casa dos pais simplesmente muda tudo com a ausência de seus entes queridos que por alí viveram e conviveram por décadas mas, cada um tem que sair um dia e construir o seu mundo. Já disseram muito bem como é isso na realidade e é bem assim mesmo a casa da mãe depois que os filhos se vão é um oratório permanente . É muita reza pedindo proteção diariamente. O dia amanhece e o dia anoitece sempre em orações e preces. E não podemos esquecer de tantos santos de devoção espalhados pela casa. Os pais já não tem o acesso àquelas coisinhas básicas do dia a dia, às recomendações e perguntas que tanto a eles desagradavam e enfureciam: com quem vai, onde é, a que horas começa, a que horas termina, a que horas você chega, vem cá menina, vem cá menino, pega a blusa de frio, cadê os documentos filho, cadê os documentos filha? Era bem assim! Era preciso tanto zelo e preocupação. Esgotados os avisos e recomendações, só nos resta a oração, daí tropeçamos todos os dias em nossos santos e santas de preferência, e nossa devoção levanta as mãos já no café da manhã e se deita conosco. A casa de mãe e pai depois que os filhos se vão é lugar de silêncio, falta nela a conversa, a risada, a implicância, a displicência, a desorganização. Falta panela suja, copos nos quartos, luzes acesas sem necessidade, televisão ligada até tarde da noite e música alta. Aliás, casa de mãe e pai depois que os filhos se vão vive acesa. É um iluminado protesto a tanta ausência. A casa de mãe e pai depois que os filhos se vão tem sempre o mesmo cheiro. Falta-lhe o perfume que eles passam e deixam antes da balada, falta cheiro de shampoo derramado no banheiro, falta a embriaguez de alho fritando para refogar arroz, falta aroma da cebola que a gente pica escondido porque um deles não gosta , falta a cara boa raspando o prato, o "isso tá bom, mãe". O melhor agradecimento é um prato vazio, quando os filhos ainda estão. Agora falta cozinha cheia de desejos atendidos. A casa da mãe e do pai depois que os filhos se vão não é mais aquela casa. Agora é a casa para onde eles voltam num feriado, em um final de semana, nas festas de fim de ano, num pedaço de férias. A casa depois que os filhos se vão é um grande portão esperando ser aberto. É um corredor solitário aguardando que eles o atravessem rumo aos quartos.
(*) Uma homenagem aos Pais